quinta-feira, 14 de junho de 2012

A Trilogia Da Vida, De Pasolini



Poeta, cineasta e acima de tudo um polemista, Pasolini era um crítico da Itália do pós-guerra, uma Itália burguesa e consumista que tinha deposto Mussolini, mas tendia a retornar ao fascismo.
O uso do erotismo, da violência e depravação foi constante em sua obra, um meio de expressar sua visão da religião e dos problemas sociais, motivo de conflitos com a Igreja Católica e perseguições políticas.
Com ‘Decameron’ (1971), ‘Os Contos de Canterbury’ (1972) e ‘As Mil e um Noites’ (1974), conhecidos como ‘A Trilogia da Vida’ (finalmente restaurada e relançada com todo cuidado merecido) Pasolini exalta o sexo e o corpo humano como forma de protesto contra o neo-moralismo e um meio de resgatar o simples, primitivo e, na sua visão ateia do mundo, o mítico ou sagrado.
O meu predileto entre os três – ‘Os Contos de Canterbury (ou Cantuária)’ – é baseado nos contos eróticos de Geoffrey Chaucer escritos no século XIV (interpretado no filme pelo próprio Pasolini em curtas aparições) que acabou levando o Urso de Ouro no Festival de Berlim em1972.
Filmado na Inglaterra com deslumbrante cenografia de Dante Ferretti e trilha sonora de Ennio Morricone, o diretor italiano celebrou o sexo de maneira bem humorada, numa atmosfera ao mesmo tempo mágica e rústica, retratando o amor e suas variantes com seu inconfundível estilo.
Vale a pena atentar para a caprichada produção que reproduz de maneira surpreendente a atmosfera medieval. A sensação de que se está presenciando a tão fascinante idade das trevas é impressionante. As roupas hipercoloridas, algumas até bufantes, os cenários ora lúgubres, ora em meio a exuberantes jardins paradisíacos, os atores jovens e de uma estética homoerótica evidente, a nudez ao mesmo tempo inocente e provocante, a avareza em torno do dinheiro, o aspecto meio sujo das personagens… enfim, todos os arquétipos medievais são trazidos à tona de forma a provocar o espectador. E como funciona.
Pasolini era homossexual assumido, imaginem o inferno que era sua vida numa Itália careta e decadente. E por falar em inferno, este é recriado pelo diretor de forma magistral, isto em uma época de escassos efeitos especiais!, inspirado no pintor holandês Hieronymus Bosch. É no mínimo chocante ver todos aqueles demônios nus e coloridos atormentarem as pobres e pecadoras almas que lá foram parar, chega até a dar calafrios nos mais sensíveis.
E quando começou a filmar ‘A Trilogia da Morte’ – o primeiro foi ‘Saló ou os 120 Dias De Sodoma’, baseado livremente nos contos de Marquês de Sade, Pasolini foi misteriosamente assassinado em Roma no dia dos mortos no ano de 1975.
Decameron

Os Contos De Canterbury

As 1001 Noites

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