segunda-feira, 25 de junho de 2012

"Por Que Pasolini ?", Por Edson Bueno



O Dante me pede uma resposta para esta pergunta. Hmmm... Sempre que estreio um espetáculo, talvez as perguntas mais comuns e também as mais difíceis de responder sejam estas: “Por que esse autor?”, “Por que esse texto?”, “Por que esse tema?” A verdade é que ao longo de tantos anos de fazer teatral, que pedem, na minha modesta opinião, uma disposição acima de tudo humana, ter alguma coisa a dizer ou a conversar é a alma do negócio. Somos a soma de nossas paixões, de nossos mitos, de nossos exemplos e de uma forma ou de outra nos espelhamos neles e esperamos que, pelo menos um pouco, de nossa criação seja digna da arte maravilhosa que fizeram. Minhas paixões? Alfred Hitchcock, Federico Fellini, Woody Allen, Nelson Rodrigues, Clarice Lispector, Peter Brook, Ariane Mnouchkine, Luis Bunuel, Antunes Filho, Gabriel Vilela, Van Gogh, Michael Nyman, Oscar Wilde, Franz Kafka, Peter Greenaway, Francis Ford Copolla, Luchino Visconti, Almodóvar, Garcia Lorca, Andrei Tarkoski… Todos que de alguma forma forjaram minha visão da arte e, ainda humanamente falando, forjaram a minha visão de mundo... Tanto quanto Osho, Reich, Jesus, Nietzsche, Lowen, Freud e... Pasolini! Eu tinha 18 anos quando assisti, assim, desavisadamente, a “Teorema” num grande e belo cinema de Curitiba que virou estacionamento, o Cine Condor. Eu era um quase sem cérebro e não tinha a menor visão política. Não fazia ideia do que eram esquerda, direita, burguesia ou proletariado; e ainda tinha pouquíssima noção da ditadura que envolvia o Brasil e não fazia ideia de que pessoas estavam sendo torturadas ou assassinadas nos porões dela. Aos dezoito anos eu era um menino parado no meio da vida, tentando compreender o que acontecia dentro do meu corpo... Coisa que hoje os meninos experimentam aos 12 ou 13 anos. E lá fui eu assistir “Teorema”, nem sei por quê. Na verdade sei. Sempre fui, desde os 14 anos, um apaixonado por cinema, qualquer um; e graças a um livrinho chamado “O que é cinema?” desenvolvi uma necessidade pela sétima arte feita na Europa. Perseguia os filmes europeus, de Truffaut a Bergman, como um cão farejador e esse tal Pasolini e seu filme “Teorema” estavam na lista de suspeitos habituais. A Trilogia da Vida e “Saló” sabia que seriam impossíveis porque a censura era brava! Então se eu não tinha a menor prontidão pra entender o Pasolini comunista, percebi o Pasolini homossexual, falando de sentimentos reprimidos e tesão, explorando a beleza perigosa de Terence Stamp sem dó nem piedade. E a mesma pergunta que me fiz quando assisti “Os Pássaros”, de Hitchcock, me fiz quando saí do Cine Condor, atordoado por “Teorema”, exibido com cortes: “Quem é esse diretor?” E avancei por Pasolini, como sempre faço quando amo. Não tanto pelo cinema porque seus filmes eram quase inacessíveis, mas por tudo quanto pudesse ler e entender dele. E fiquei fascinado e o admirei e em muitos momentos quis ser ele. E houve o dia em que em plena manhã, atravessando a Praça Tiradentes pra ir ao trabalho, folheando “A Gazeta do Povo”, leio, no meio da rua, que ele havia sido assassinado por um garoto de programas, num local isolado e que o rapaz tinha passado com o carro por sobre seu corpo diversas vezes. Como a política e a luz ainda passavam ao largo da minha vida, acreditei que realmente, tinha acontecido um crime de origem sexual e que envolvia prostituição masculina. Mas naquele meu olhar apaixonado por Pasolini, só consegui sofrer a sua perda, tendo visto até então só dois ou três filmes dele, e não experimentei aí qualquer julgamento moral, porque nunca achei errado sair em busca de prazer, muito pelo contrário. Não somos nem tão inocentes e nem tão pecadores como queremos parecer ou queremos que os outros sejam. E convenhamos, de Pasolini pra cá, somos muito menos! Pasolini e seu sonho de liberdade estariam pra sempre carimbados na minha alma e seu cinema original e libertador, embora cruel e violento, era naquele momento, espelho também da minha alma de menino quase grande, ignorante da vida e desejoso de prazer. Ainda hoje, eu, muito maduro, me sinto em muitos aspectos, o mesmo menino. E talvez por isso, retornar a Pasolini, agora como criador, me ajude a desvendar mais um pouco da vida. Mais um pouco do tudo que me falta e que eu espero conhecer antes da decadência. Mas... e sempre existe um “mas”... até isso é apenas aparência. Porque nunca vou esquecer a minha experiência em 2005 com Machado de Assis. Li Machado na adolescência e depois na maturidade. Era outro Machado! Machado de Assis na minha maturidade modificou minha maneira de fazer teatro, deu-me inspiração para as palavras e eu compreendi porque ele é o maior romancista brasileiro! Assim que Pasolini na minha maturidade é o escritor, poeta, cineasta, ativista político que tem o que dizer para o meu tempo, que é tão outro dos anos 60/70 quando ele criou e morreu. Se permaneço puro e ingênuo como artista, não o sou mais com relação à vida e à sociedade. Pasolini, hoje, é mais importante! E é dele que quero falar! Por isso! Mas sei que jamais pretenderei ser uma testemunha dele, porque ninguém pode ser testemunha de ninguém. Isso ou é arrogância ou ignorância. Pretendo sim, excursionar pela lacuna, pelo buraco que ficou entre a obra do gênio e ele próprio. Pretendo amá-lo mais ainda! Descobrir novas paixões em seus escritos e em seus filmes; em suas ideias e sua vida. Não quero que ele morra mais uma vez, nem quero chorar sua morte mais uma vez. Quero dar à plateia a experiência de vida que tive quando assisti “Teorema” e, ainda depois, quando pude percorrer sua cinematografia. Entender as grandes transformações do meu tempo e refletir com a poesia do gênio. Se conseguir, com o Elder e todo mundo, vai ser mais uma vitória! Para encerrar vale dizer uma coisa tão óbvia quanto verdadeira: Amo Pasolini! Tanto e mais quanto o amei na juventude!

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