sábado, 2 de junho de 2012

A Descoberta De Marx, Pier Paolo Pasolini, 1949



Em 5 de maio de 1818, nascia, em Trier – Alemanha, Karl Heinrich Marx. 131 anos depois, o poeta italiano Pier Paolo Pasolini escreveu uma das mais dilaceradas odes ao filósofo alemão. Penso que ela está à altura das contradições captadas pelo pensamento de Marx e também de um tempo bruto e brutalizande do Ocidente, recém saído da II Guerra Mundial. Curiosamente, o poema se intitularia “La ricerca di mia madre”.
Abaixo segue tradução do belíssimo poema, como forma de homenagem discreta e de testemunho do eco esfumaçado dos dois autores nos tristes trópicos periféricos.


A descoberta de Marx – Pier Paolo Pasolini (1949)




Eu sei que os intelectuais em sua juventude sentem realmente inclinação
física para o povo e creêm que isso é amor. Mas não é amor: é mecânica inclinação à massa. (M. Gorki)
I

Pode nascer de uma sombra
com rosto de menina
e pudor de violeta

um corpo que me estorva
ou, de um colo azul
uma consciência – sozinha

dentro do mundo habitado?
Fora do tempo nasceu
o filho, e dentro morre.



II

Sangue mediterrâneo
alta língua romanica
e raiz cristã

no perfeito estranho
nascido no cômodo
de uma cidade feliz.

Tu eras irreligiosa
bárbara, ou ingênua esposa
e genitora infante.



III

Como caí
em um mundo de prosa
se eras um passarinho,

uma cotovia e, mudo
para a história – uma rosa -
ou jovem mãezinha

era teu coração? nesta
ordem manifesta
por ti: o mundo me aceita?



IV

Tu me transmitiste no coração
já adulto de um tempo
do qual, adolescente,

busquei ardendo de amor
as fontes. Ah educação
adequada ao prepotente

sentido do meu século,
sentido único, eco
do Coração preexistente!



V

E a cada dia me afundo
no mundo racionalizado
impiedosa instituição

dos adultos – no mundo
há séculos encalhado
ao soar de um Nome:

com ele me aprisiono
no estupendo dom
que já é só razão.



IV


Mas o peso de uma idade
que força a consciência
e modela o dever,

quando em mim haverá
vencido a resistência
do meu coração volúvel?

se, contigo, não tenho alma
de amor, mas uma chama
de suave caridade?



VII

Não pensavas que o mundo
do qual sou um filho
cego e apaixonado

não fosse uma alegre
posse de teu filho
doce de sonhos, armado

de bondade – mas uma antiga
terra alheia que à vida
dá ânsias de exílio?



VIII

A língua (da qual soa
em ti apenas uma nota,
na aurora do dialeto)

e o tempo (ao qual doas
tua ingênua e móvel
piedade) são as paredes

entre as quais entrei,
sedicioso e possuído,
com teus olhos mansos.



IX

Não sujeito mas objeto
mãe! um inquieto fenômeno,
não um deus encarnado

com os sonhos no peito
de ansioso filho! anônima
presença, não desolado

eu! Me exprimiste
no mistério do sexo
uma lógica Criação.



X

Mas há na existência
algo mais que amor
pelo próprio destino.

Ou é um cálculo sem
milagre que aflige
ou suspeita que se força.

Nossa história! Dentada
de puro amor, força
racional e divina.

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