quinta-feira, 31 de maio de 2012

Edson Bueno & O Caminho Do Teatro Moderno









Edson Bueno, Diretor, atualmente preparando:

Pasolini
A Vida Depois Do Sonho  

A Recessão, Poema Profecia De Pier Paolo Pasolini







O gênio visionário de Pier Paolo Pasolini nos contava, no longuínquo 1974, os anos que hoje temos pela frente. Com insesperada precisão e incomparável poesia. 

A Recessão


Reveremos calças com remendos
vermelhos pores do sol sobre as aldeias
vazias de carros
cheias de pobre gente que terá voltado de Turim ou da Alemanha
Os velhos serão donos de suas muretas como poltronas de senadores
e as crianças saberão que a sopa é pouca e o que significa um pedaço de pão
E a noite será mais negra que o fim do mundo e de noite ouviremos os grilos ou os trovões
e talvez algum jovem entre aqueles poucos que voltaram ao ninho tirará pra fora um bandolim
O ar terá o sabor de trapos molhados
tudo estará longe
trens e ônibus passarão de vez em quando como num sonho
E cidades grandes como mundos estarão cheias de gente que vai a pé
com as roupas cinzas
e dentro dos olhos uma pergunta que não é de dinheiro mas é só de amor
somente de amor
As pequenas fábricas no mais belo de um prado verde
na curva de um rio
no coração de um velho bosque de carvalhos
desabarão um pouco por noite
Mureta por mureta
Teto em chapa por teto em chapa
E as antigas construções
serão como montanhas de pedra
sós e fechadas como eram uma vez
E a noite será mais negra que o fim do mundo
e de noite ouviremos os grilos e os trovões
O ar terá o sabor de trapos molhados
tudo estará longe
trens e ônibus passarão
de vez em quando como num sonho
E os bandidos terão a face de uma vez
Com os cabelos curtos no pescoço
e os olhos de suas mães cheios do negro das noites de lua
e estarão armados só de uma faca
O tamanco do cavalo tocará a terra leve como uma borboleta
e lembrará aquilo que foi o silêncio o mundo
e aquilo que será.
Pier Paolo Pasolini
Tradução: Mario S. Mieli



Poema original em italiano:


La Recessione


Rivedremo calzoni coi rattoppi
rossi tramonti sui borghi
vuoti di macchine
pieni di povera gente che sarà tornata da Torino o dalla Germania
I vecchi saranno padroni dei loro muretti come poltrone di senatori
e i bambini sapranno che la minestra è poca e che cosa significa un pezzo di pane
E la sera sarà più nera della fine del mondo e di notte sentiremmo i grilli o i tuoni
e forse qualche giovane tra quei pochi tornati al nido tirerà fuori un mandolino
L’aria saprà di stracci bagnati
tutto sarà lontano
treni e corriere passeranno ogni tanto come in un sogno
E città grandi come mondi saranno piene di gente che va a piedi
con i vestiti grigi
e dentro gli occhi una domanda che non è di soldi ma è solo d’amore
soltanto d’amore
Le piccole fabbriche sul più bello di un prato verde
nella curva di un fiume
nel cuore di un vecchio bosco di querce
?crolleranno un poco per sera
muretto per muretto
lamiera per lamiera
E gli antichi palazzi
saranno come montagne di pietra
soli e chiusi com’erano una volta
?E la sera sarà più nera della fine del mondo
e di notte sentiremmo i grilli o i tuoni
L’aria saprà di stracci bagnati
tutto sarà lontano
treni e corriere passeranno
ogni tanto come in un sogno
E i banditi avranno il viso di una volta
con i capelli corti sul collo
e gli occhi di loro madre pieni del nero delle notti di luna
e saranno armati solo di un coltello
Lo zoccolo del cavallo toccherà la terra leggero come una farfalla
e ricorderà ciò che è stato il silenzio il mondo
e ciò che sarà.
Pier Paolo Pasolini.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Elder Gattely, Curitiba, 30 De Maio De 2012, O Texto


"Iniciando o processo de mergulho no texto e personagem. Pasolini, A Vida Depois Do Sonho, começando a tomar forma e a tomar conta de mim" ........Elder Gattely

Tre Allegri Ragazzi Morti - Pasolini. Un Incontro.



Performance Gráfica & Musical

"O Último Julgamento", De Hieronymus Bosch & Contos De Canterbury


O Último Julgamento

De Hieronymus Bosch

A visão do inferno proposta por Pasolini em Contos De Canterbury (baseada na pintura "O Ultimo Julgamento de Hieronymus Bosch). A visão do purgatório feit"a por um genial e infernal cineasta que nunca será esquecido.






terça-feira, 29 de maio de 2012

Texto De Pasolini Para O Periódico "Gente", 1975



“Me atrai no subproletário a sua cara, que é limpa (enquanto a do burguês é suja); porque é inocente (enquanto a do burguês é delinquente); porque é pura (enquanto a do burguês é vulgar); porque é religiosa (enquanto a do burguês é hipócrita); porque é insensata (enquanto a do burguês é prudente); porque é sensual (enquanto a do burguês  é frígida); porque é infantil (enquanto a do burguês é adulta); porque é imediata (enquanto a do burguês é previdente); porque é gentil (enquanto a do burguês é insolente); porque é indefesa (enquanto a do burguês é decorosa); porque é incompleta (enquanto a do burguês é acabada); porque é confiante (enquanto a do burguês é rija); porque é terna (enquanto a do burguês é indolente); porque é feroz (enquanto a do burguês é extorsiva); porque é colorida (enquanto a do burguês é branca)”.......Pier Paolo Pasolini

O Teatro De Edson Bueno & Elder Gattely : "Capitu, Memória Editada"




 Capitu, Memória Editada 



 Direção - Edson Bueno



Capitu – Memória Editada, produção curitibana, dirigida por Edson Bueno, revisou a obra machadiana através de recordações dos personagens de Dom Casmurro. O espetáculo conversa com a plateia, escolhida como leitor da tentativa de desvendar o mistério e as dubiedades da narrativa do romance. Com um tom crepuscular e curiosa elaboração dramatúrgica, a peça é um inventiva apropriação do original de Machado de Assis.
Capitu – Memória Editada é o relato de Bentinho, que na velhice, relembra sua história com Capitu, seu primeiro e único amor.  A encenação faz um paralelo com a própria obra machadiana – joia de talento e inteligência no trato com a literatura. Assim como no romance, também no espetáculo, verdade e mentira se misturam e nunca se estabelece a certeza das palavras ditas e das ações vivenciadas.
O espetáculo ganhou o Troféu Gralha Azul para os melhores do teatro paranaense, nas seguintes categorias: Melhor Espetáculo; Melhor Direção – Edson Bueno e Melhor Texto – Edson Bueno. Além de ser indicado nas categorias de ator e ator coadjuvante.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Elder Gattely : Entrevista Para O "Programa Repertório"





A Pátria De Chuteiras De Pasolini, Por Marcelo Xavier




Muita gente não sabe, mas o polêmico Pier Paolo Pasolini era um apaixonado pelo futebol. E o caderno “Mais!” da Folha de São Paulo  reproduziu um artigo do cineasta, publicado meses após a acachapante derrota de 4 X 1 da Itália contra o Brasil de Pelé, Clodoaldo, Brito, Carlos Alberto e Rivelino. Ele propõe subsídios para uma poética do futebol, e utiliza a final da Copa de 1970 para fazer uma ácida crítica à sua terra natal. No artigo, ele parte do conceito elementar de linguagem para estabelecer uma tese onde ele parte das noções do código da língua para elaborar uma poética do futebol, o Ludopédio . Ele divide o futebol em duas grandes partes, a prosa e a poesia. Naturalmente, considera prova da poética do futebol os lances de invenção e os gols. No geral, poderia ser apenas mais uma “tese furada”, tão cara aos amantes da bola. Mas a idéia vai longe...

Ludo em latim significa “jogo” e “pédio”, vem do grego “podós”, pés. Logo, "Ludopédio" é uma invencionice que quer dizer “jogar com os pés”. Anacrônica, essa expressão seria uma espécie de definição etimológica mais ancestral para o foot-ball inglês, que os brasileiros neologizaram para o jogo de bola.
Pasolini entende que, como na linguagem, o futebol é um sistema de signos, mas uma linguagem não-verbal com a mesma mecânica da original, lógica, normativa. Segundo o cineasta, o esporte possui todas as características fundamentais da linguagem por excelência, aquela que imediatamente tomamos como termo de comparação, isto é, a linguagem escrita-falada.
O fundamento do futebol tem a sua raiz lógica: ele nasce de uma gramática que é comum a todos. Tanto fundamentos como marcação, passe, chute, lançamento quanto determinados esquemas táticos exprimem o futebol elementar, contingente a toda e qualquer escrete. Ou seja, é o código, que obedece e é tributário da língua instrumental. Daí ele criou a expressão Podema (de pódos , pés). Como uma palavra é formada de uma rescolta de fonemas, um lance também é corolário de uma junção de diversas combinações de “podemas”. “O conjunto das ‘palavras futebolísticas'”, de acordo com o italiano, “constitui um discurso, regulado por normas sintáticas precisas”. Já a sintaxe se exprime na “partida” que, para Pier Paolo, é um verdadeiro “discurso dramático”. Assim, como qualquer língua, o futebol tem o seu momento puramente instrumental , rígido e regulado pelo código.

Por outro lado, ele tem o seu momento “expressivo”.

A despeito da retórica rígida que é franqueada pelas regras do código, a linguagem da bola, como na língua falada-escrita, tem as suas respectivas funções de linguagem. Além da objetividade imposta pela gramática dos fundamentos, o Ludopédio possui o seu lado subjetivo, expressivo. Desta forma, alguns atletas se destacam por serem grandes prosadores; outros são cingidos pelo fulgor do gênio. Como dizia Nelson Rodrigues, só o jogador medíocre faz futebol de primeira. Os inventores da bola (usando o conceito de Erza Pound para exemplificar os “antenas da raça”) transcendem a lógica, transcendem a previsibilidade do código lingüístico das quatro linhas. Para ele, o atleta “prosador” é cerebral, tem domínio da bola, visão de jogo e passe próximo da perfeição. Pegando o exemplo dado por Pasolini (Bulgarelli) para identificar o “prosador”, poderíamos dizer (apenas para ilustrar) que Paulo César Carpegianni foi esse “prosador realista”. Mas na mesma acepção, o meio-campista do Internacional seria o “elzevir”, o prosador poético, o elegante rapsodo. Mas talvez Falcão fosse mais poeta do que Carpegianni: ele poderia, de vez em quando, interromper a prosa e inventar, de repente, dois versos fulgurantes.

”A retranca e a triangulação é futebol de prosa”, diz o diretor. “Baseia-se na sintaxe, isto é, no jogo coletivo e organizado, na execução racional do código”. Para ele, o seu único momento poético é o contrapé seguido do gol (que, como vimos, é necessariamente poético). “Em suma, o momento poético do futebol parece ser (como sempre) o momento individualista (drible e gol; ou passe inspirado)”, explica.

Na sua tese, o futebol de prosa é sistêmico, normativo. O gol é confiado aos poetas. Para ele, a bola na rede é pura poesia, seria o fecho de ouro do soneto. No entanto, ela deriva de uma organização de jogo coletivo, fundado por uma série de passagens “geométricas”, executadas segundo as regras do código.

Ele faz uma distinção meio jocosa em diferenciar prosa literária de prosa jornalística. Ele não deixa de alfinetar a imprensa ao diferenciar a riqueza e o dinamismo da língua popular, com os seus subcódigos (os níveis de linguagem, como o jargão, o alto calão, a gíria, ou latinismos, arcaísmos, palavras truncadas). Em contraposição, ele explica que, para ele, o jornalismo não é senão um ramo menor da língua literária: para compreendê-lo, valemo-nos de uma espécie de sub-subcódigo.
“Em palavras pobres, os jornalistas são simplesmente escritores que, a fim de vulgarizar e simplificar conceitos e representações, se valem de um código literário, digamos para ficarmos no campo esportivo, de segunda divisão”, defende.

O autor de Teorema pega o cronista esportivo Gianni Brera para exemplificar como de “segunda classe” – se comparada à linguagem de literatos como Carlo Emilio Gadda e Gianfranco Contini. Mas contorna, ironizando: “e a língua de Brera é, talvez, o caso mais bem qualificado do jornalismo esportivo italiano”. Na verdade, o objetivo do cineasta aqui é dizer que o poder da cultura de massa, representada pela grande imprensa de sua época, era um simulacro da cultura popular, de acordo com ele, de pretensões “soberbas” (fica patente a sua posição na “querelle”). A analogia consiste em transplantar a linguagem do poder ( estetizante , na acepção dele, “conservadora”, “provinciana”...), ou seja, sistêmica, anacrônica se comparada à realista, sincrônica, espontânea e de raiz popular.

Partindo da meditação acerca da cultura e história italianas, Pasolini diz que esse modelo preexiste no futebol da Seleção da Itália, como ele pôde observar, durante a Copa do México: anti-realista, anti-burlesca, elitista e anti-poética. E, para ele, poético é o momento do gol. Fato curioso, porque aqui, Pasolini concede um valor quantitativo, e não qualitativo, o que seria a quintessência da poesia. O futebol estetizante é o futebol europeu, como diria Nelson Rodrigues, o anti-futebol, como o europeu representa, como diria o autor de “Asfalto Selvagem”, numa expressão bem sua, o anti-Brasil .

Por isso mesmo, Pasolini distingue o futebol latino do europeu (o italiano, que caiu de quatro diante do Brasil) como provocação. O coletivismo cifrado europeu contra a melopéia brasileira. Como escreveu Nelson Rodrigues, “quem marcou o gol da Itália não foram os italianos, foi uma brincadeira de Clodoaldo (...) ao passo que os gols brasileiros foram obras de arte, irretocáveis, eternas”. O cineasta, por sua vez, observa: “se o drible e o gol são o momento individualista-poético do futebol, o futebol brasileiro é, portanto, um futebol de poesia”. E se a Seleção Brasileira foi a “Pátria de Chuteiras”, a Itália, por seu torno, também a foi, com os seus defeitos e simulacros filosóficos e culturais estetizantes. A tese de Pasolini é, de certa forma, na ótica particular do diretor, um irônico necrológio da Itália do seu tempo.

domingo, 27 de maio de 2012

Requiem Para Pier Paolo Pasolini, Eugênio De Andrade



Eu pouco sei de ti mas este crime
torna a morte ainda mais insuportável.
Era novembro, devia fazer frio, mas tu
já nem o ar sentias, o próprio sexo
que sempre fora fonte agora apunhalado.
Um poeta, mesmo solar como tu, na terra
é pouca coisa: uma navalha, o rumor
de abril podem matá-lo – amanhece,
os primeiros autocarros já passaram,
as fábricas abrem os portões, os jornais
anunciam greves, repressão, dois mortos na
primeira
página, o sangue apodrece o brilhará
ao sol, se o sol vier, no meio das ervas.
O assassino, esse seguirá dia após dia
a insultar o amargo coração da vida;
no tribunal insinuará que respondera apenas
a uma agressão (moral) com outra agressão,
como se alguém ignorasse, exceto claro
os meretíssimos juízes, que as putas desta espécie
confundem moral com o próprio cu.
O roubo chega e sobra excelentíssimos senhores
como móbil de um crime que os fascistas,
e não só os de Salò, não se importariam de
assinar.
Seja qual for a razão, e muitas há,
que o Capital a Igreja e a Polícia
de mãos dadas estão sempre prontos a justificar,
Pier Paolo Pasolini está morto.
A farsa, a nojenta farsa, essa continua.

Novembro, 1975





Eugénio de Andrade, Requiem para Pier Paolo Pasolini (in Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI)

sábado, 26 de maio de 2012

O Evangelho Segundo São Mateus



Em “O Evangelho Segundo São Mateus” o diretor italiano Pier Paolo Pasolini valoriza a imagem e o silêncio. No entanto, o que chama mais atenção no longa é o caráter de certa forma austero de Jesus, essa impressão se dá por outros motivos e não por alguma tentativa do diretor de tentar mudar o caráter do personagem bíblico. Pasolini influenciado pelos ideais neo-realistas formou um elenco todo de “não-atores” e abdicou de maneirismos e instrumentos dramático-sentimentais. Em contra partida, a história originalmente contada pelo apostolo Mateus é cuidadosa e fielmente retratada passando por cada momento registrado no livro, desde o nascimento de Jesus, aos ensinamentos e parábolas, do chamado dos apóstolos à ressurreição.
Embora colorido digitalmente a simplicidade da produção ainda se faz notar, seja no figurino e ou nas locações em que foi filmado. Corte secos e closes estáticos aumentam proporcionalmente a tensão e a importância de cada fala. O amadorismo dos atores apenas colabora para uma maior verossimilhança, não vemos os atores, mas os personagens “vivos” naquele contexto. Destaque maior para o ator Enrique Irazoqui (Jesus Cristo), sua atuação é contida, serena e intensa. Mesmo nos momentos mais críticos da história como na crucificação ou no Getsêmani o ator não apela, não se aproxima de “caricaturas” mas transmite em sua interpretação o caráter reto de Jesus, pronto e ciente de seu destino…

sexta-feira, 25 de maio de 2012

O Teatro De Edson Bueno & Elder Gattely: "Anti Nelson Rodrigues" - 2005








 Anti Nelson Rodrigues 

Direção Edson Bueno

Elder Gattely, Construindo Pasolini








                    Pasolini, A Vida Depois Do Sonho

"Pasolini, O Cristo Édipo", Por Glauber Rocha


Pasolini o Cristo Édipo
(Glauber Rocha*)
(*Cahiers du Cinemá hors série, 1981)
Pasolini foi aquilo a que chamo o produto do milagre do Plano Marshall em Itália. Após a geração da fome - os neo-realistas: Rossellini, De Sica, Visconti, Antônioni, Fellini - o cinema italiano tornou-se uma indústria, o neo-realismo perdeu completamente o sentido revolucionário e criador de novas formas. O momento de Pasolini representa a passagem da fome à gulodice e penso que o escândalo Pasolini era uma “mais-valia”, um luxo para essa Itália que queria ser desenvolvida do ponto de vista industrial e moderno, do ponto de vista ideológico, mas que era na realidade uma Itália desagregada, arcaica, selvagem, bárbara, anárquica. Contudo, a selvageria, a barbárie, a anarquia pasolianiana eram dominadas pela disciplina marxista, pelo misticismo católico, tornando-se então numa barbárie maquilhada. O que me choca no seu cinema á a ausência de poder, nunca é convincente, os seus personagens são fracos, e penso ser por isso que ele não sincroniza os diálogos. Notei que na dobragem dos filmes de Pasolini existia sempre um ligeiro defasamento entre os movimentos dos lábios dos atores e as palavras. Uma vez, num restaurante em Roma, ele disse-me que a língua italiana não existia, e por isso o teatro não existia na literatura italiana, o que o levou a realizar Édipo Rei em dialeto siciliano.

Penso que em Accattone, existe uma certa sensualidade no personagem desempenhado por Franco Citti, mas depois, no seu cinema, tudo é muito frio: são adjetivos que tentam valorizar substantivos estéreis. Pasolini tinha a razão, a inteligência, a cultura que são a conquista de um intelectual civilizado, mas ele dizia: “Sou um civilizado apanhado pela barbárie”. Ele rejeitava a sociedade capitalista, mas aceitava-a no sentido em que se tornou um profissional da indústria editorial e cinematográfica. Ele passou do “estatuto” de cineasta marginal (realizando filmes que não davam dinheiro) a cineasta que fazia filmes abertamente comerciais como a Trilogia. Assim, penso que salvo o filme inicial Accattone, e o último, Salò, todos os outros filmes de Pasolini demonstram toda essa ambigüidade, que é o seu melhor. Ele estava comprometido com a ambigüidade. Porque na verdade, para ele, a homossexualidade não era uma prática sexual normal, mas uma religião, uma ideologia, um mecanismo de fetiche, um misticismo. É o que se vê nos seus filmes, essa dialética entre o Cristo e o Édipo, o Cristo-Édipo, quer dizer os problemas do pai assassinado (assassinado porque traiu como Deus traiu Cristo, o que podemos ver bem em O Evangelho Segundo S. Mateus quando, no momento da morte, Cristo diz: “Pai, porque me abandonaste?”. O que é o momento mais forte do filme, ele é crucificado no falo do pai (inexistente) e a mãe que esconde sempre a condição da mulher (as mulheres estéreis e histéricas, ou as mães possessivas que não cedem o lugar à mulher). Esta fusão Cristo-Édipo leva-o ao desespero, à irrisão, à infelicidade permanente. Então, ele fala sempre de sexo, mas não nos entregamos aos seus filmes. Os personagens são frios teóricos, a violência é programada, o sexo é sempre “dobrado” pelo cérebro (é por isso que os seus filmes são sempre dobrados), e ele vai em direção à tragédia, ao sacrifício, à autopunição edipiana e cristã.

Há uma coisa interessante no cinema de Pasolini: o orientalismo. A Itália é um país de influência árabe e essa impossibilidade de Pasolini ser moderno é compensada, sublimada pela naturalidade dessa orientalidade. É por isso que ele se quer “povo”, mas é somente um desejo, porque, quando realiza, ele torna-se católico. Por exemplo, em As mil e umas noites, Ninetto é como São Francisco de Assis com os Árabes, tornando-se então num filme jesuíta catequista. Pasolini não está interessado nem pela cultura árabe nem pela sua política, ele interessa-se pela sexualidade árabe, mas do ponto de vista de colonizador.

Salò é o filme de Pasolini que eu prefiro, porque penso ser o melhor filme do ponto de vista da forma: está bem enquadrado, bem montado, bem representado, o filme torna-se num corpo convincente, com uma violência existencial, e não com a violência teórica dos outros filmes. Porque em Salò ele diz a verdade ao afirmar “aqui está, sou pervertido, a perversão é o fascismo”. “Gosto dos rituais fascistas, fiz Salò porque é o teatro dessa perversão e o meu personagem, o meu herói ama os torcionários como eu amo o meu assassino”. É a punição, o mito de Édipo cristão. Eu me liberto completamente desse pasolinismo e também desse cristianismo, desse edipismo moralizante, porque, para mim, primeiramente, Édipo não existe mais, e o cristianismo não é uma religião, é uma revolução de amor, de prazer, na verdade, não de sofrimento.

E após o filme ele morreu numa aventura de exploração do sexo proletário. Pasolini intelectual comunista, revolucionário, moralista, era agente da prostituição, quer dizer que ele pagava aos rapazes, os ragazzi di vita, pelo sexo. Ele procurava os pobres, os ignorantes, os analfabetos e tentava seduzi-los como se a perversão fosse uma virtude.

 Pasolini não gostava verdadeiramente das mulheres. Godard gosta das mulheres mas pensa que elas são sempre putas ou musas românticas. Em Godard há o amor, a paixão, não o sexo: em Pasolini há o contato sexual mas não o amor, não a paixão. Há somente a paixão teórica, o que interessa a Pasolini é o irrisório, é a perversão.

Penso que o sadismo, que se tornou num mito da cultura contemporânea, sobretudo para a geração de Pasolini, é o renascimento de espírito fascista nessa geração e é também uma “mais-valia” sofisticada das sociedades que não têm verdadeiramente problemas de sofrimento. Sade na sua época, Sade na Bastilha, é uma coisa, mas o neo-Sadismo como fetiche, como mito é o delírio da fascinação fascizante.

Pasolini, em Salò, aceita a sua verdadeira personalidade. Mesmo se a morte de Pasolini é um atentado fascista, eles aproveitaram a encenação pasoliniana para o matarem segundo os seus próprios ritos.

No meu último filme A idade da terra, falo de Pasolini, digo que desejava fazer um filme sobre o Cristo do Terceiro Mundo no momento da morte de Pasolini. Pensei nisso porque queria fazer a verdadeira versão dum Cristo Terceiro-mundista que não teria nada a ver com o Cristo pasoliniano. Pasolini procurava no Terceiro Mundo um álibi para a sua perversão. Para mim, o conceito de subversão é muito diferente do conceito de perversão, porque a perversão culturalmente constituída pelos intelectuais sadianos não é a minha. Para mim a subversão é inverter verdadeiramente essa perversão por um fluxo amoroso que não exclui a homossexualidade.

O problema não é a homossexualidade ou heterossexualidade, é o problema da fascinação pela herança fascista, os grandes ballets contorcionistas de um homem vindo do campo, de uma civilização arcaica, e que utiliza várias linguagens (a literatura, o cinema) para sublimar, disfarçar e enfim, com Salò, atingir a sua verdadeira personalidade que não era nem Cristo nem Édipo, mas que era qualquer coisa de muito misterioso, o prazer fascista.

Ele assume a tragédia, punido pelas falsas máscaras de Édipo e de Cristo. Os prazeres fascistas conduzem à tragédia porque a punição é o mito do Édipo Cristão. Nisso está o fulcro do mistério, não só de Pasolini mas também do Pasolini que se tornou, por causa disso, um mito contemporâneo.
Declarações em francês transcritas por Alain Bergala – in Pasolini cinéaste – Cahiers du Cinemá (hors série, 1981).
Tradução de Luis Moreira – in Fogo Cerrado, nº2 jun. / 1990.
Organização final de texto: Mário Pacheco

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Susanna Colussi




Susanna era a mãe de Pasolini, ela influenciou profundamente sua visão de mundo e seu trabalho como poeta, romancista e cineasta. Podemos vê-la na tela participando em vários filmes do filho: Comícios de Amor (Comizi D’amore, 1963), O Evangelho Segundo São Mateus (Il Vangelo Secondo Matteo, 1964), Teorema (1968). Ela não participou em Édipo Rei (Oedipus Rex, 1967), mas Pasolini fez com que Silvana Mangano, a atriz que interpretava Jocasta, usasse roupas de sua mãe. Muito já se falou dos elementos autobiográficos nos filmes de Federico Fellini, mas no caso de Pasolini pode-se dizer que essa tendência alcança dimensões sócio-politico-antropológicas, além de psicanalíticas. Susanna é como uma chave que pode desvendar muitos elementos incorporados nas mulheres presentes nos filmes de Pasolini.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

O Teatro De Edson Bueno & Elder Gattely : "Metamorphosis" - 2005


















Metamorphosis


Direção : Edson Bueno




"As Cinzas De Gramsci", Pier Paolo Pasolini




IV

O escândalo de me contradizer, de estar
contigo e contra ti; contigo no coração,
à luz do dia, contra ti na noite das entranhas;

traidor da condição paterrna
- em pensamento, numa sombra de acção –
a ela me liguei no ardor

dos instintos, da paixão estética;
fascinado por uma vida proletária
muito anterior a ti, a minha religião

é a sua alegria, não a sua luta
de milénios: a sua natureza, não a sua
consciência; só a força originária

do homem, que na acção se perdeu,
lhe dá a embriaguez da nostalgia
e um halo poético e mais nada

sei dizer, a não ser o que seria
justo, mas não sincero, amor abstracto,
e não dolorida simpatia…

Pobre como os pobres, agarro-me
como eles a esperanças humilhantes,
como eles, para viver me bato

dia a dia. Mas na minha desoladora
condição de deserdado,
possuo a mais exaltante

das poses burguesas, o bem mais absoluto.
Todavia, se possuo a história,
também a história me possui e me ilumina:


mas de que serve a luz?

segunda-feira, 21 de maio de 2012

"Orgia", Texto Para Teatro De Pier Paolo Pasolini



Orgia é a crónica das pobres emoções sado-masoquistas de dois cônjuges pequeno-burgueses no calor de uma desoladora Páscoa, da fuga-suicídio de uma esposa-amante-escrava, da devastação do esposo ao encontrar-se com uma pequena prostitutazinha de passagem, do seu extremo delírio fetichista e transsexual até ao seu suicídio por enforcamento.

Mais do que uma peça de teatro, Orgia pode ser definido como um poema a várias vozes, ou um oratório laico que exprime, entre lirismo e declaração, os temas preferidos de Pier Paolo Pasolini. A crise da sociedade é representada através de uma obsessão individual, em que o mistério da geração de filhos e o problema da identidade pessoal encontram a obsessão do sexo, objecto de culpa e meio de conhecimento: eis então o delírio, contado, saboreado e seccionado, de um casal sado-masoquista, uma orgia sangrenta de palavras que encontra a sua própria essência no reconhecimento da diversidade.



                              http://1000vidas.blogspot.com.br/2006/04/orgia-de-pasolini.html

O Teatro De Edson Bueno & Elder Gattely : "Unicórnio No Jardim", Elder Gattely & Edson Bueno - 2002



Unicórnio no Jardim


 Direção - Edson Bueno




sábado, 19 de maio de 2012

Grupo Delírio Cia De Teatro






Grupo Delírio Cia. de Teatro é uma das companhias mais atuantes de Curitiba, Paraná. Em atividade há 27 anos, produz 23 espetáculos, todos sob a direção de Edson Bueno, sendo que grande parte deles é premiada e de grande sucesso, como "New York Por Will Eisner", "Lágrimas Puras em Olhos Pornográficos", "Metamorphosis" e "O Evangelho Segundo São Mateus".
Presta ainda serviços a instituições como o Centro Cultural Teatro Guaira, Instituto Goethe, Fundação Cultural de Curitiba, Sesi/PR e Centro Cultural Banco do Brasil, para encenações e produções de grande importância e sucesso, onde, além das necessidades comerciais, o respeito pela linguagem e a paixão pelo mundo das idéias e pela capacidade do teatro de refletir sobre a vida e iluminar o espírito sempre estiveram presentes.
A essência de sua pesquisa teatral é a utilização da palavra como linguagem e comunicação direta com a platéia, indo além da ilusão da cena teatral.
Entre seus espetáculos, estão as seguintes montagens: "Lágrimas Puras Em Olhos Pornográficos"; "Equus", de Peter Shaffer; "Vermelho Sangue Amarelo Surdo"; "Metaformose de Kafka" e "Kafka - Escr'rever é um sono mais profundo do que a morte"; e "Metaformose Leminski - Reflexões de Um Herói Que Não Quer Viver Pedra" Tem uma longa história de pesquisa da palavra e acumula mais de 30 Troféus Gralha Azul para os melhores do Teatro Paranaense.